setembro 13, 2015

Ofensa e Purificação

No último mês, dois rapazes coincidentemente vieram me perguntar sobre estatuetas quebradas acidentalmente, as quais haviam tentado consertar, mas temiam estar cometendo alguma ofensa ou miasma mantendo-as assim no altar. Analisando ambos os casos, vimos que não havia problema. Então acredito que a dúvida pode ser compartilhada aqui, acrescida de outros exemplos sobre essa questão do que é ou não ofensa. 

Claro que há situações em que existe sim uma ofensa, como a de Hipólito a Afrodite ao desprezá-la, a de Niobe a Leto ao se achar melhor do que ela, entre outras. E claro que, antes de rituais e ofertas, deve-se pelo menos lavar as mãos, se possível tomar banho e vestir roupas limpas: 
"Nunca verta uma libação do cintilante vinho a Zeus depois da aurora com mãos não-lavadas, nem a outros dos deuses imortais; senão eles não só não ouvirão suas preces como também as cuspirão de volta." (Hesíodo, 'Os Trabalhos e os Dias', verso 724ss)
“...além disso, eu tenho pavor de com mãos não-lavadas verter libação do ardente vinho a Zeus; nem deve um homem sábio fazer preces ao filho de Cronos, senhor das nuvens escuras, todo sujo/coberto de sangue e imundície." (Homero, 'Ilíada', VI, 265ss)
"Ela então se banhou, e colocou vestes limpas no corpo, e subiu para a câmara superior com suas criadas, e - colocando grãos de cevada em um cesto - fez preces a Atena." (Homero, 'Odisseia', IV, 749ss)

Em primeiro lugar, tenham em mente que os grandes miasmas são do tipo morte, sexo, vícios, crimes, hybris, calamidades, pragas, epidemias, injustiças, impiedade etc. São coisas que perturbam a lei natural e mudam a ordem da vida, como o contato com agentes estranhos, com nascimento, com morte, com crime, com lugares violados, ou com o resultado de ações que desagradaram aos deuses. Em segundo lugar, lembrem que miasmas podem ser purificados pela catarse. O próprio lavar as mãos e tornar a água lustral é um exemplo. Você pode se purificar com água, purificar o ambiente com incenso, expulsar agentes de miasma com aspersão e palavras, purificar a alma com música e dança, e fazer rituais específicos de purificação nos festivais (Diasia, Thargelia etc). 

Ou seja, não há motivo para deixar o medo da ofensa lhe paralisar

Quando li os dois casos da estatueta, considerei o ato não-intencional ser sinal de que a deidade estava lhes defendendo de alguma coisa ruim, mas se a rachadura foi pequena ou pôde ser consertada, isso demonstrou o cuidado do devoto, e não havia por que jogá-la fora ou tirá-la do altar. Impiedade é não ser pio, não ser devoto, e em ambos os casos eles foram pios ao se preocuparem com o caso, não houve miasma de impiedade ou ofensa. Uma estatueta pôde ser consertada, outra ficou com o que chamei de "cicatriz de batalha", mas nada que desabone a presença dessas ofertas votivas no altar.

De qualquer forma, na dúvida se algo gerou ou não miasma, faça uma catarse/purificação. Mas não fique impedido ou desanimado de fazer as coisas por temer retaliações. Cada caso pode ser diferente do outro, mas nenhum é irreversível. 

Esta semana eu utilizei meu pirógrafo para fazer uma gravura que não era dos deuses. Eu não me lembrava se tinha ou não consagrado o pirógrafo para trabalhos devocionais, mas mesmo assim o usei. Antes de terminar, ele esquentou tanto que derreteu o botão e quebrou. Levei minha bordoada (inclusive financeira), pois tive que encomendar outro. Mas é isso, aprendi e assim seguimos em frente. Se não erramos, não aprendemos.

Em suma, não deixe de lavar as mãos antes de fazer ofertas ou ritos, purifique-se após o contato com coisas geradoras de miasma (mesmo que em dúvida se são ou não), observe as consequências das coisas para aprender com elas e, no mais, não fique paralisado pelo medo de ofender. 

Há males que vêm para o bem, como algo que quebra para afastar coisas piores, ou como precisar comprar uma máquina de pirografia melhorzinha e novinha, rs. Mantenha-se centrado e busque o equilíbrio, o resto se ajeita. 

Um comentário: