agosto 17, 2013

Christine & Erik -- Perséfone & Hades?

Estes dias estive assistindo o DVD dos 25 anos (2011) do musical "O Fantasma da Ópera", gravado no Royal Albert Hall de Londres, e - vendo Christine e Eric (o "fantasma") - não pude deixar de pensar em outro casal que conhecemos: Perséfone e Hades. Então trouxe alguns trechos do musical, para quem nunca se deu conta dessa possível comparação.

A começar por um trecho em que a mocinha se refere às estações:
CHRISTINE
"Think of August when the trees were green,
don't think about the way things might have been..."

(Pense em agosto, quando as árvores estavam verdes,
não pense na forma que as coisas deveriam ter sido...)
E "o invisível" declara suas intenções:
ERIK
"You have come here, for one purpose, and one alone;
Since the moment I first heard you sing, I have needed you with me..."

(Você veio para cá com um propósito, e apenas um;
Desde o primeiro momento em que escutei você cantar, eu precisei de você comigo...)
E apresenta o seu mundo a ela, um mundo que ao mesmo tempo entorpece e intensifica os sentidos:
ERIK
"Night-time sharpens, heightens each sensation,
Darkness stirs and wakes imagination;
Silently the senses abandon their defences...
Slowly, gently, night unfurls its splendour;
Grasp it, sense it - tremulous and tender,
Turn your face away from the garish light of day,
Turn your thoughts away from cold, unfeeling light -
And listen to the music of the night.
Close your eyes and surrender to your darkest dreams!
Purge your thoughts of the life you knew before!
Close your eyes, let your spirit start to soar!
And you'll live as you've never lived before.
Softly, deftly, music shall caress you
Feel it, hear it, secretly possess you.
Open up your mind, let your fantasies unwind,
In this darkness which you know you cannot fight -
The darkness of the music of the night.
Let your mind start a journey through a strange new world!
Leave all thoughts of the world you knew before!
Let your soul take you where you long to be !
Only then can you belong to me.
Floating, falling, sweet intoxication!
Touch me, trust me, savour each sensation!
Let the dream begin, let your darker side give in
To the power of the music that I write..."

(A noite aponta, e intensifica cada sensação,
A escuridão agita e desperta a imaginação;
Silenciosamente os sentidos abandonam suas defesas...
Lentamente, gentilmente, a noite estende seu esplendor;
Agarre-o, sinta-o, trêmulo e terno,
Vire seu rosto para longe da luz gritante do dia,
Afaste seus pensamentos da luz fria e insensível -
E ouça a música da noite.
Feche seus olhos e se entregue a seus sonhos mais sombrios!
Purifique seus pensamentos da vida que você conheceu antes!
Feche seus olhos, deixe seu espírito começar a se elevar!
E você viverá como nunca viveu antes.
Suave, primorosamente, a música deverá te acariciar
Sinta-a, ouça-a, secretamente lhe possuindo.
Abra sua mente, deixe suas fantasias se desatarem,
Nesta escuridão contra a qual você sabe que não pode lutar -
A escuridão da música da noite.
Deixe sua mente começar uma jornada através de um estranho e novo mundo!
Abandone todos os pensamentos do mundo que conheceu antes!
Deixe sua alma lhe levar para o lugar ao qual você pertence!
Só então você pode pertencer a mim.
Flutuando, caindo, numa doce intoxicação!
Toque-me, confie em mim, saboreie cada sensação!
Deixe o sonho começar, deixe seu lado mais escuro ceder
Ao poder da música que eu escrevo...")
E ela descreve a sensação de estar em um lugar sombrio e sinistro, mas no qual habita alguém que lhe produz um efeito de elevação espiritual através do poder de sua música:
CHRISTINE
"I've been there - to his world of unending night,
To a world where the daylight dissolves into darkness...
But his voice filled my spirit with a strange, sweet sound;
In that night there was music in my mind.
And through music my soul began to soar!"

(Eu estive lá - no seu mundo de noite infindável,
Um mundo onde a luz do dia se dissolve em escuridão...
Mas sua voz preencheu meu espírito com um estranho e doce som;
Naquela noite, havia música na minha mente.
E, através da música, minha alma começou a se elevar!)
No meio da peça, temos um baile de máscaras, que me lembrou muito Dioniso. No mito órfico, Dioniso é rebento de Perséfone. A letra dessa parte fala inclusive de Sátiros e dos Campos Elísios.
VÁRIAS PESSOAS NO BAILE
"Masquerade! Leering satyrs, peering eye;
Masquerade! Run and hide - but a face will still pursue you...
Six months: Of relief! Of delight! Of Elysian peace!...
Masquerade! Paper faces on parade!
Masquerade! Hide your face, so the world will never find you!
Masquerade! Every face a different shade!
Masquerade! Look around - there's another mask behind you!"

(Mascarado! Sátiros com um olhar de soslaio;
Mascarado! Corra e se esconde - mas um rosto ainda te perseguirá...
Seis meses: de alívio! de delícias! da paz dos Elísios!...
Mascarado! Rostos de papel na parada!
Mascarado! Esconda seu rosto, para que o mundo nunca lhe encontre!
Mascarado! Cada rosto um sombreado diferente!
Mascarado! Olhe em volta - há outra máscara atrás de você!)
Christine também fala com Raoul, que a corteja, sobre o fantasma e a gratidão/lealdade que lhe deveria ter:
CHRISTINE
"It scares me - don't put me through this ordeal by fire.
He'll take me, I know; we'll be parted for ever.
He won't let me go, what I once used to dream I now dread.
If he finds me, it won't ever end;
And he'll always be there, singing songs in my head...
Am I to risk my life, to win the chance to live?
Can I betray the man who once inspired my voice?
Do I become his prey? Do I have any choice?"

(Isso me assusta - não me coloque nessa provação pelo fogo.
Ele irá me levar, eu sei; ficaremos separados para sempre.
Ele não vai me deixar ir, o que antes eu sonhava agora eu temo.
Se ele me encontrar, isso nunca terminará;
E ele estará sempre lá, cantando canções na minha cabeça...
Estou disposta a arriscar minha vida para ter a chance de viver?
Posso trair o homem que um dia inspirou minha voz?
Eu me torno sua presa? Eu tenho alguma escolha?)
Cantando juntos, numa cena que se passa em um cemitério, o fantasma cita mais uma estação (o inverno), e Christine reconhece que - por mais que sua mente o resista - sua alma o obedece. Aqui também aparece a menção à "verdadeira beleza". No conto de Apuleio, Psiquê vai até Perséfone para pegar uma caixinha com o segredo da beleza eterna, a pedido de Afrodite, sem saber que a beleza eterna não é nada mais do que a morte. É no reino dos mortos, de Hades, que reside a "verdadeira beleza". E Raoul tenta afastar de Christine essa imagem paternal que ela tem do fantasma, assim como Hades é tio de Perséfone. Raoul então ressalta que Christine não amará o fantasma se ela for sua prisioneira, assim também Perséfone não passa o ano todo com Hades, ela se divide:
ERIK
"Wandering child, so lost, so helpless; yearning for my guidance...
Too long you've wandered in winter, far from my far-reaching gaze,"
(Criança que vagueia, tão perdida, tão desamparada; ansiando por minha orientação...
Por tanto tempo você perambulou no inverno, longe do meu olhar que alcança longe,)
CHRISTINE
"Wildly my mind beats against you;"
(Freneticamente minha mente luta contra você;)
ERIK
"You resist,"
(Você resiste)
AMBOS
"Yet your/the soul obeys..."
(No entanto, sua/a alma obedece)
ERIK
"You denied me, turning from true beauty..."
(Você me negou, se afastando da verdadeira beleza...)
CHRISTINE
"I denied you, turning from true beauty... "
(Eu neguei você, me afastando da verdadeira beleza...)
ERIK
"Come to me..."
(Venha pra mim...)
RAOUL
"Christine, listen to me!
Whatever you may believe, this man, this thing, is not your father!..."
(Christine, me escute!
Seja o que for no que você acredite, esse homem, essa coisa, não é o seu pai!)
"You can't win her love by making her your prisoner."
(Você não pode ganhar o amor dela tornando-a sua prisioneira.)

A cena mais relevante, porém, que trago em vídeo abaixo do próximo trecho, é quando Erik encena sua ópera como Don Juan, com Christine no papel de Aminta, ela com uma maçã na mão que me lembra a romã do mito, e o diálogo totalmente a ver com o mesmo. Alguns autores dizem que, quando Coré colhia flores, ela buscava uma experiência diferente, uma vez que entre essas flores estavam narcóticos narcisos e outros possíveis psicotrópicos. Na busca desse desejo, ela é tragada pela terra. Imerge, sucumbe, se entrega, não tem mais volta ("cuidado com o que você deseja"). Então, a letra aqui fala em fogo, em um "rico desejo" (Hades é Pluto - "o rico"), em sedução, em sonho, em segredo. Fala também no silêncio (que também lembra "o indizível"). Christine, interpretando Aminta, pergunta sobre sangue (oferta que se fazia aos mortos), sobre um botão abrindo em flor (as flores que Coré colheu e que ela mesma acabou desabrochando em Perséfone), sobre as chamas que os consumirão... Erik, agora já desvestido do papel de Don Juan, pede que ela lhe salve da solidão e compartilhe uma vida com ele. Não é mais o sedutor que passa de amante em amante (Don Juan), mas aquele que pede que a amada fique para sempre a seu lado. Eis a letra e, em seguida, o vídeo:
ERIK (como Don Juan)
"You have come here in pursuit of your deepest urge,
in pursuit of that wish, which till now has been silent.
I have brought you, that our passions may fuse and merge -
in your mind you've already succumbed to me
dropped all defences completely succumbed to me -
now you are here with me: no second thoughts, you've decided.
Past the point of no return - no backward glances:
the games we've played till now are at an end.
Past all thought of "if" or "when" - no use resisting:
abandon thought, and let the dream descend.
What raging fire shall flood the soul?
What rich desire unlocks its door?
What sweet seduction lies before us?
Past the point of no return, the final threshold -
what warm, unspoken secrets will we learn?
Beyond the point of no return."

(Você veio aqui em busca dos seus anseios mais profundos,
em busca daquele desejo, o qual até agora tem permanecido em silêncio.
Eu trouxe você, para que nossas paixões possam se fundir e imergir -
na sua mente você já sucumbiu a mim
deixou cair todas as defesas, completamente sucumbiu a mim -
agora você está aqui comigo: não há como mudar de ideia, você decidiu.
Passado o ponto em que não há retorno - não se pode olhar para trás:
os jogos que jogamos até agora estão no final.
Passado todo o pensamento de "se" e "quando" - não adianta resistir:
abandone os pensamentos e deixe o sonho sobrevir.
Que fogo intenso deve inundar a alma?
Que rico desejo destrava sua porta?
Que doce sedução jaz diante de nós?
Passado o ponto em que não há retorno, a fronteira final -
que segredos calorosos e inexprimíveis iremos aprender?
Além do ponto do qual não há retorno.)
CHRISTINE (como Aminta)
"You have brought me to that moment where words run dry,
to that moment where speech disappears into silence.
I have come here, hardly knowing the reason why;
In my mind, I've already imagined our bodies entwining,
defenceless and silent - and now I am here with you:
no second thoughts, I've decided.
Past the point of no return - no going back now:
our passion-play has now, at last, begun.
Past all thought of right or wrong - one final question:
how long should we two wait, before we're one?
When will the blood begin to race
the sleeping bud burst into bloom?
When will the flames, at last, consume us?"

(Você me trouxe a aquele momento no qual as palavras secam,
a aquele momento onde o discurso desaparece no silêncio.
Eu vim aqui, mal sabendo por que razão;
Na minha mente, eu já imaginei nossos corpos entrelaçados,
sem defesa e em silêncio -  e agora estou aqui com você:
sem poder mudar de ideia, eu decidi.
Passado o ponto em que não há retorno - não há volta agora:
nosso jogo de paixão agora finalmente começou.
Passado todo o pensamento de certo e errado - uma pergunta final:
quanto tempo deveríamos esperar antes de sermos um?
Quando o sangue começará a correr
e o botão adormecido se abrir em flor?
Quando as chamas irão, afinal, nos consumir?)
AMBOS
"Past the point of no return, the final threshold -
the bridge is crossed, so stand and watch it burn;
We've passed the point of no return..."

(Passado o ponto em que não há retorno, a fronteira final -
a ponte foi cruzada, então fique parado e assista ela queimar;
Nós passamos do ponto do qual não há retorno...)
ERIK
"Say you'll share with me one love, one lifetime;
Lead me, save me from my solitude..."

(Diga que você compartilhará comigo um amor, um tempo de vida;
Conduza-me, salve-me da minha solidão...)
[vídeo retirado e aparado daqui: https://www.youtube.com/watch?v=h7IZNfGEcFk]

Coré deixa sua ingenuidade e não pode escapar da situação em que precisa amadurecer. Todos precisamos passar por essa transformação um dia. Não adianta resistir:
CHRISTINE 
"One by one, I've watched illusions shattered."
(Uma por uma, eu assisti minhas ilusões se despedaçarem.)
ERIK
"Past all hope of cries for help: no point in fighting."
(Passada toda a esperança por gritos de ajuda; não adianta lutar.)
E então que os deuses a ajudem a aceitar a missão de acompanhá-lo:
CHRISTINE
"Pitiful creature of darkness, what kind of life have you known?
God give me courage to show you you are not alone."

(Deplorável criatura da escuridão, que tipo de vida você conhece?
Deus me dê coragem para lhe mostrar que você não está sozinho.)
Enfim, somente com o "espírito" dele e a "voz" dela, a "música da noite" se elevará:
ERIK
"You alone can make my song take flight -
It's over now, the music of the night."

(Só você pode fazer minha canção alçar voo -
Está acabada agora, a música da noite.)
Poderíamos viajar bem mais no musical inteiro, incluindo as músicas e não só as letras, mas acredito que dar o gostinho aqui e deixar que cada um descubra suas próprias impressões é mais prazeroso. Concordam?

Um comentário:

  1. Saudações,

    Estou organizando um evento: I Colóquio Internacional Panteísta do Instituto Universo Panteísta - IUP, do qual faço parte.

    É um evento de vanguarda por ser pioneiro em trazer o posicionamento das culturas ancestrais em relação à Natureza nos discursos filosóficos. O I Colóquio Internacional Panteísta acontecerá entre 14 e 17 de Novembro (15/11 é um feriado) em Olinda, Pernambuco, promovido pelo IUP.

    Já temos confirmados palestrantes interessado vindos da França e Portugal e alguns brasileiros também, naturalmente. No evento teremos palestras, mesas-redondas e culturais.

    Sua participação diz respeito a debates em uma mesa redonda:

    "Sintonias entre o Panteísmo e o Paganismo: o ideal monoteísta de totalidade (o si-mesmo cósmico ) desvaloriza realmente e necessariamente a multiplicidade e liberdade criativa dos indivíduos?"

    Poderei passar mais detalhes, você estará disponível nessas datas?

    Aguardo seu contato em leaova(arroba)gmail(ponto)com

    Cordialmente,
    Victor Leão
    IUP

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