outubro 06, 2012

Saúde mental... como ajudar?


Esta semana uma politeísta dos EUA mentalmente enferma veio a falecer em um incêndio em seu quarto, aparentemente provocado por ela mesma. Isso suscitou em muitos de nós uma reflexão sobre como poderíamos agir em situações semelhantes, como grupo, como apoio religioso mesmo. Afinal, era iminente que algo acontecesse, já que para os mais próximos ela falava sobre o fogo como meio de acessar o divino, embora ao mesmo tempo viesse ordenando pedras linearmente numa mesa como se quisesse se reorganizar, como se buscasse por aquilo que nos traz de volta a uma realidade saudável. Talvez por isso que não se imaginava que as coisas chegariam a tal ponto. O fato é que - como no caso de muitas aflições mentais - algumas pessoas achavam que ela só estava se comportando mal ao dizer que era esposa de Hermes, e não que fosse um problema real. Achavam que era apenas uma "drama queen" e não alguém que precisava de ajuda. Mas se alguma coisa boa surgiu do evento trágico, foi a reflexão que suscitou em nós, que nos provocou a pensar sobre nossa própria organização como rede, como um todo. Até porque foi um choque. Eu havia conversado com ela algumas vezes, e fiquei sentida de alguma forma. 

O fato é que até os estudiosos têm dúvidas sobre o uso da religião no tratamento de distúrbios mentais, se é algo útil ou prejudicial. Algumas pesquisas mostram que religiões relacionadas com possessão e exorcismo são mais prejudiciais a longo prazo do que as que se baseiam em prece e meditação. Há um estudo que mostra um templo na Índia utilizado para a cura, onde as pessoas passam um tempo lá - o que me lembrou muito Epidauro, de Asclépio. No estudo, aplicaram um teste psicológico antes e depois do período no templo, e o teste na saída chegou a mostrar melhores de 12%. Mas outras pesquisas relatam como a superstição de origem religiosa pode abalar ainda mais a razão de uma pessoa.

Nossa crença é de certa forma relacionada com a filosofia, o que poderia fazer alguns pensaram na "filosofia clínica" que afirma "mais Platão, menos Prozac"; e, embora eu não goste de como eles lidam com isso e saiba que algumas questões não podem ser tratadas só filosofando, há algo bem útil relacionado com o pensamento básico de a filosofia nos ajudando a lidar com o mundo. Quando tomamos os mitos por si, eles têm coisas muito estranhas que só entendemos quando lemos a análise que os filósofos fazem daqueles mitos. 

E, mais recentemente, temos as teorias da psicologia analítica dos junguianos e pós-junguianos considerando a mitologia uma forma de acessar nossas verdades interiores e nos tornar seres humanos melhores. Podemos listar uma série de escritores que seguem este caminho. Mas mesmo Jung dizia que: devemos aprender tudo sobre o máximo de coisas, mas na terapia devemos ser apenas um ser humano diante de outro ser humano. Muitos entendem isso como "estude mitologia, mas saiba que a pessoa que você está tentando ajudar não é Héracles ou Perséfone, são apenas elas mesmas".

Se olharmos alguns personagens míticos, encontraremos Héracles na sua loucura matando a esposa e filhos, e depois sendo purificado ou reparando o ato através do trabalho. Isso poderia nos fazer pensar sobre ter um emprego ou tarefas para fazer a fim de curar nossa enfermidade. Isso se parece muito com o que pretende a arte-terapia e a terapia-ocupacional.

Por outro lado, temos Odisseu fingindo estar louco para não ser convocado para a guerra em Tróia. Palamedes descobre o truque de Odisseu. Ou seja, a loucura pode então ser simulada, e é talvez por isso que alguns familiares têm uma resistência em acreditar que se trata de uma doença e considera aquilo apenas um "mau comportamento".

Dioniso era um estranho para os gregos, eles temiam o desconhecido, a diferença. As pessoas com distúrbios mentais normalmente se sentem desconfortáveis com um estranho, e elas mesmas se sentem estranhas no mundo. Alguns pais também pensam que nem todo comportamento de uma pessoa com enfermidade mental é por causa da doença, eles acham que algumas de suas respostas são coisa de criança, preguiça, "falta de Deus" e coisas do tipo. Eles procuram por médicos que dizem que é uma psicose, procuram por sacerdotes que dizem que é um problema espiritual, e acabam acreditando nos dois ao mesmo tempo.

Em outras religiões, há também uma sintomatologia psiquiátrica causada por ação sobrenatural, similar à possessão e usada como punição (vocês podem procurar pelo relato de Nabucodonosor ou mesmo o de Saul, na bíblia).

Então vemos que a mitologia às vezes ajuda e às vezes alimenta/aumenta os problemas; depende de como a utilizamos - se como uma ferramenta/muleta ou se como uma fuga/tábua-de-salvação. No caso da garota que tentou alcançar o divino ateando-se fogo, as informações (sabe-se lá de qual fonte de estudos mitológicos/espirituais) que ela acessou só pioraram sua disposição original.

Talvez a melhor forma de agir como grupo religioso seria apoiar as pessoas como faríamos fora da religião (listo algumas dicas abaixo, ainda nesta postagem), e mostrar a elas que há exemplos na Antiga Hélade que eram solucionados assim como eles podem solucionar suas questões com a ajuda que terão dos amigos e dos Deuses; como as coisas acontecem por uma razão; como deveríamos tomar as rédeas das nossas vidas como heróis, realizando um feito por vez; como até os deuses (como Dioniso) não eram totalmente compreendidos também; como erros do passado podem ser purificados e reparados... e toda essa maravilhosa visão ética de mundo que o modo heleno antigo de viver nos ensina.

É difícil propor algo de forma geral assim sobre esse tema, mas poderíamos nos unir para ajudar caso a caso se nos propormos a procurar pelo auxílio do grupo quando vemos alguém precisando. Talvez, se tívessemos nos unido para ajudar a moça que morreu (em vez de julgá-la, falar com ela privadamente, deixar ela pra lá, parar de procurá-la para conversar), sua situação teria outro desfecho.

Ajudar 'online' é dificilmente muito efetivo, mas ainda podemos fazer algo. Se as pessoas sentirem nosso comprometimento em ajudar, se sentirem que têm apoio nos seus esforços para melhorar, se sentirem-se seguras para tentar coisas que de outra forma (sozinhas) seria assustador, se perceberem que não precisam passar pelos problemas sozinhas, já estaríamos ajudando. Nós podemos insuflar coragem à sua falta de esperança, mas provavelmente teríamos que verificar se nós próprios somos fortes para fazer isso. Às vezes ajuda ter o mesmo problema para compartilhar experiências, mas às vezes ajuda mais se fizermos elas perceberem que podem confiar na nossa força, como alguém que é capaz de "salvá-las".

Coisas que nós NÃO devemos fazer: ficar bravos com elas; evitá-las; julgá-las; dar conselhos que elas não pediram; prometer coisas que não podemos cumprir; falar sobre o problema delas o tempo todo; minimizar o problema tipo dizendo "sai dessa" (se pudessem, já o teriam feito); dizer que sabemos o que elas estão passando (outra pessoa nunca sabe o que estamos passando, ela não tem a mesma história e personalidade que temos); ficar falando sempre sobre o passado (seus problemas são aqui-agora).

Coisas que DEVEMOS fazer: aceitar o fato de que elas têm uma doença (muitas pessoas não vêem as doenças mentais como doenças, mas são); aprender/estudar sobre seus distúrbios e como lidar com isso; ajudá-las a identificar os sintomas (incluindo os físicos); ouvir com atenção; encorajar seu envolvimento em atividades que elas gostem (esportes, hobbies, atividades culturais), embora não em muitas de uma só vez (se elas se envolvem em muitas atividades, o excesso de demandas vai fazer elas pensarem são um fracasso - por não conseguirem cumprir todas); encorajá-las a procurar ajuda médica; sugerir que elas mantenham um registro escrito; entre outras coisas.

É legal lembrá-las das coisas boas que elas têm, sorrir pra elas (ainda que por carinhas de internet), oferecer ajuda nas tarefas diárias (há coisas que é mais fácil para você terminar do que pra elas), mostrar que você sente muito pelo que elas estão passando, perguntar como podemos ajudar...  Também é importante demonstrar que você está percebendo o progresso delas, o que elas já conseguiram realizar, e que elas não precisam ter pressa - elas podem fazer um pouquinho por dia, e ainda podem ter a nossa ajuda para fazê-lo.


Não sei se sou uma boa fonte para falar dessas coisas, faz anos que não lido com psicologia, mas espero ter ajudado a despertar alguma percepção útil aqui. E espero sinceramente que não precisemos de mais "baixas de guerra" para nos apontar que deveríamos ser mais unidos como grupo para ajudar nossos semelhantes, ainda mais aqueles que compartilham de nossas crenças.


4 comentários:

  1. Nossa, achei seu texto de uma pertinência e de um carinho fantásticos!

    Parabéns!

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  2. Interessante seu post, eu soube desse caso em um grupo online, não a conhecia mas realmente é uma tragédia.
    Sinceramente eu já tive dificuldades no hellenismos como alguém que sofre de disturbios psiquiátricos e deficiência mental, tanto em grupos quanto com praticantes isolados, hoje limito minha participação a uma lista online e não escrevo, somente leio.
    A religião em si me ajudou em muitas coisas mas também tive problemas quando fiquei mas desconectada da realidade, certas regras pessoais foram necessárias.

    Em geral grupos religiosos e a sociedade em geral não demostram solidariedade nenhuma em tais situações, os reconstrucionismos politeistas não são nenhuma exceção o que é uma pena já que temos o que contribuir e inclusão é um direito nosso.

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  3. Mas a gente não pode só ficar lamentando que o grupo não faça nada, Aliz, a gente tem que tentar fazer mesmo que individualmente. O grande problema é que muitas vezes as pessoas não sabem como ajudar (ainda mais online) e outras vezes mais atrapalham do que ajudam, ou não conseguem ser úteis. Seria preciso que as pessoas se interessassem em aprender como lidar com cada situação/enfermidade específica. E, embora "em geral" não se tenha suporte, há exceções. Eu conheço algumas dentro do helenismo, inclusive como grupo. Sempre há esperanças...

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